Da Inércia ao Caos - 8 Etapas da Disrupção
Por Luiz Candreva, futurista, head de inovação da Ayoo
Toda disrupção faz parte de um grande processo de mudanças que recomeça quando outra disrupção acontece. Olhando para estas quebras e tudo que elas desencadeiam, a minha ideia era identificar se havia uma maneira de mostrar como isso acontece de forma repetida. E o que estaria no cerne das grandes mudanças.
Observando diversos ciclos na História, encontrei no cerne de tudo isso movimento. E quanto mais movimento, mais caos era gerado. As oito etapas que vou explicar a seguir se repetem várias vezes. Em várias frentes diferentes. Mas vamos começar por um ponto desse ciclo que merece ser desmistificado.
Vamos começar pelo Caos
Magnum Chaos (do latim, “Grande Caos”). Basílica de Santa Maria Maior, Bérgamo, por Giovan Francesco Capoferri, sobre desenho de Lorenzo Lotto
Falei em desmistificar, mas vou pra Mitologia Grega. Para esta tradição, a primeira entidade que surgiu no Universo foi o Caos, inexplicável, que já existia antes de tudo existir. Era neste deus primordial que habitavam, em potencial, todas as coisas futuras, boas e ruins, mas sem qualquer tipo de ordem. Tudo estava misturado numa espécie de caldo primitivo, sem forma, com opostos ocupando o mesmo espaço. De certa forma, o Caos, para os gregos, era tudo e nada. E foi dele que surgiu Gaia, a deusa que representa nosso fértil planeta, por exemplo.
Mas como nosso objetivo não é mergulhar em debates filosóficos ou teológicos, vamos saltar mais de 25 séculos e chegar aos nossos dias. Geralmente, olhamos o caos como uma coisa negativa. Temos a ideia de que o caos é algo ruim, que mais caos é pior. Mas como o Caos dos gregos, ele não é negativo para todo mundo e provoca o surgimento de coisas novas.
Podemos ver as etapas deste ciclo iniciado no caos numa sucessão contínua por toda a História da humanidade. Imagine a vida dos neandertais, espécie de hominídeos extinta há quase 30 mil anos. Alimentando-se do que caçavam e coletavam, precisando mover as comunidades para fugir do frio extremo na era glacial ou quando faltava comida, viviam sob uma série de ameaças constantes. Vem o homo sapiens, com maior capacidade de articulação social, cachorros e armas de caça à distância, vem um urso e ataca, vem hiena e devora, vem mais frio e não dá pra pescar… ou seja, uma vida muito estressante. Um caos absoluto. E desse caos, vem a necessidade de criar alguma coisa para dominar, aplacar esse caos. Ou restaria a eles desaparecer.
Rumo à inércia
Nesta época, dentre várias outras coisas que acontecem, como aprimoramento de ferramentas, é o domínio do caos. É o momento em que se encontra ferramentas que resolvam as dores, os incômodos da situação de caos. Para os nosso antepassados que preponderaram neste cenário, veio a estabilização dos assentamentos humanos, consolidada com duas das mais importantes tecnologias: agricultura e pecuária, que fez com de caçadores e coletores pudéssemos formar grupos fixados, que nos assentássemos em pequenas comunidades. Isso gera uma inércia.
Viver em comunidade reduz o risco de um ataque por animais, da escassez de comida ou água. Criam-se regras sociais, mesmo que rudimentares, reforçando o principal diferencial dos humanos em relação às outras espécies, que é o cérebro social. Mesmo que a vida durasse em média 30 anos ou menos, era um avanço para a estabilidade.
Neandertal viveu entre 400.000 e 28.000 a.C.
Não vamos aprofundar em estudos da antropologia, mas o que é importante mostrar é que desde lá atrás, já tínhamos esse formato. E se projetarmos para o futuro, saímos daquele ser humano rudimentar, próximo ao neandertal, e vamos chegar no super ser-humano, melhorado pela engenharia genética, biohacking ou dispositivos implantados no corpo. O que vai ser o caos pra um monte de gente que não for super ser humano, assim como o sapiens foi o caos pro neandertal.
Quando você domina a tecnologia, você sai da estabilização e entra na inércia. O domínio da agricultura e pecuária fez a gente fazer mais comida, para mais gente. Chega uma hora, que começam a acontecer conflitos entre povos por exemplo. Quando acomodou, o caos deixou de ser caos. Se torna uma coisa agradável.
Ciclos cada vez mais curtos
No mundo dos negócios, as marcas sofrem um fenômeno muito semelhante. É o que chamamos de diferencial competitivo, da perenidade da tecnologia. Pegando um recorte um pouco mais recente, o diferencial competitivo no século XX durava 50, 40, 30 anos. Isso fazia com que um profissional entrasse em uma empresa e não vivenciasse essas rupturas ao longo da carreira – isso considerando que as pessoas ingressavam com uns 20 anos de idade, aposentavam na casa dos 50-55 e morriam com 65, portanto, não passariam por uma grande quebra. O que acaba acontecendo agora é que esse diferencial competitivo dura cada vez menos. Segundo a Forbes, era 40 e agora não mais do que 3 anos.
Pare então pra pensar: o que você vivia uma ou nenhuma vez na sua carreira, agora você provavelmente verá acontecer 10, 12, 15 vezes ou até mais. Em intervalos cada vez menores. Pense em como isso muda a dinâmica de quem está na empresa, no mercado de trabalho. Tinha aquela acomodação, aquele pensamento de que “criei meu diferencial competitivo, ganhei o jogo”. Ou que “eu ganhei o jogo, estou na empresa que é a vencedora e temos 30 anos de inércia pela frente, sem nosso posto de liderança ser ameaçado no mercado. Não sei o que virá depois, mas eu, pra minha carreira, ganhei o jogo”. Seja Kodak, Coca-Cola, Nokia, Xerox, McDonnalds, Shell…
E não é uma roda homogênea onde todo mundo se encontra na mesma posição. São várias rodas simultâneas. Concêntricas, cada um no seu momento diferente. Assim, o que é inércia para uns, é caos para outros. Existem outros competidores que estão no estágio de forças emergentes. Geralmente existe uma competição. Nos conflitos entre os povos lá atrás, os homo sapiens primitivos começam a ter forças emergentes atacando, forças da natureza, outros povos atacando para brigar por território, outras coisas começam a acontecer e eles precisam se adaptar a esse negócio.
O Jeff Bezos, quando cria a Amazon, arrebenta um monte de loja de livros e CDs, para as livrarias deve ter sido tenebroso. “Que mundo caótico nós vivemos. O meu negócio tá quebrando”. E os Bezos estava lá navegando. Esse era o plano. Era isso que ia acontecer.
Este processo, em si, não é novo. O que vem mudando é, sobretudo a velocidade. A cabeça das pessoas muda, agora, com uma velocidade maior. Querem comida mais saudável, têm mais informação. A informação tem papel fundamental em instruir as pessoas sobre hábitos nocivos, que comprometem a vida. Cigarro, que chegou a ser recomendado por médicos e dentistas, hoje é sabidamente algo altamente prejudicial à saúde. Tudo isso faz o ciclo de vida da empresa ser cada vez menor.
Retornando ao caos
Existe a empresa que está voando e empresa que está caindo. As inovações disruptivas – lâmpada, telefone – acontecem a todo tempo e geram a dispersão de não-óbvios. Aparecem mais espaços para inovações.
Por exemplo: a carne ou outros alimentos impressos, que podem ser produzidos diretamente em casa, dispensam embalagem. Sendo assim, não precisam de etiqueta, cola, coleta de lixo, diesel, ração pro animal que respondem por 70% do consumo de grãos do mundo, o preço do grão despenca e isso faz despencar toda uma cadeia. E apesar disso parecer algo para um futuro distante, está no presente.
A holandesa Mosa Meat foi criada em 2016 a partir de pesquisas iniciadas três anos antes para criar o primeiro hambúrguer produzido sem que houvesse o sacrifício animal. Criado diretamente de células bovinas em laboratório, o primeiro a ser degustado custou US$ 250.000. Eles se preparam para lançar o produto comercialmente nos próximos anos, com valores compatíveis com a carne de abate.
Doce japonês impresso em 3D – Cyber Wagashi – pela empresa Open Meals.
Outra rede, a Food Ink, serve pratos produzidos em uma impressora 3D. O restaurante itinerante passou por diversos países entre 2016 e 2017. O projeto Open Meals responsável pelo Sushi Singularity já permite criar o prato da gastronomia japonesa pixel por pixel. Apresentado em 2019, ele faz uma análise de material biológica do cliente para criar um alimento que atenda às necessidades nutricionais de cada indivíduo. Eles também começaram a criar um catálogo mundial de alimentos que possam ser reproduzidos posteriormente nas impressoras.
O próximo passo da companhia é fornecer alimentos para pessoas convalescentes, permitindo que seja saudável atender a todas as preferências alimentares. Até 2040, eles pretendem ter um equipamento doméstico para a impressão de comida. Em 2070, a companhia quer acabar com a fome do planeta e, em seguida, levar esta forma de comida para o espaço.
Mesmo que, eventualmente, os planos destas empresas mudem ao longo da jornada, haverá um forte impacto em uma série players não apenas no mercado da alimentação. O ponto que após essa disrupção acontecer, haverá uma série de não-óbvios. Por um lado, oportunidades para empreendedores que saibam enxergá-las. Por outro, risco para uma série de mercados que verão a cadeia inteira despencar, o que gera conflito, já que o status quo tenta a lutar contra essas ameaças à sua posição.
Deste embate, temos o caos para alguns e um mar para navegar no mundo que acabou de ser criado para outros. O iPhone quebrou a Nokia, que era dominante total no mercado de celulares. Os smartphones quebraram também telefonia fixa, palm-tops, MP3 players, abalaram a fotografia, indústria de brinquedos e até os cursos de idioma. Ao mesmo tempo, criaram todo um mercado de aplicativos para tudo que é segmento, além de um rol quase infinito de acessórios como smartbands, fones bluetooth, speakers, capas, carregadores portáteis…
Qual o ponto? Entrar como competidor no mercado bilionário dos smartphones, comida 3D ou do transporte de altíssima velocidade como o hyperloop é para poucos competidores. Mas há uma infinidade de oportunidades nos não-óbvios.
As oportunidades nos não-óbvios
Um trem de alta velocidade que usa energia sustentável e faça o trajeto de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, a Doha, no Qatar, em 23 minutos contra as 6 horas de carro, com uma passagem a US$ 20. Isso impacta no mercado imobiliário, no turismo – já que você não precisa se hospedar, pode pingar na cidade e voltar… É o caos para vários setores, como a rede hoteleira. Caos para alguns, vitórias para outros. E onde estariam as oportunidades dispersas nas consequências desta disrupção inicial?
Esses não-óbvios são como vírus e uma coisa vai derrubando a outra. E vão quebrando estruturas. Ainda não estamos acostumados com isso porque a velocidade deste fenômeno, até então, era um pouco lenta. Acontecia, mas demorava um tempo até uma coisa arrebentar a outra. Agora, em coisa de um ano, dois anos a quebra se espalha para áreas que nunca imaginávamos, como a carne impressa impactar no consumo de diesel. Parece longe. Mas está conectado. E diesel impacta na refinaria, que impacta em quem faz macacão e capacete, ou no transporte por helicópteros que leva equipes para as plataformas, e vai longe a depender do volume que essa tecnologia dispersa.
Olhando como aconteciam as grandes disrupções do passado, também muito poderosas, é possível notar que novas tecnologias sempre causam impactos. Exímios navegadores e comerciantes, os fenícios deixaram legados até a atualidade, por terem inventado o alfabeto fonético, base do que usamos hoje, e o vidro transparente, antes de serem derrotados por Alexandre, o Grande quase 2.500 anos atrás. Um povo que começou essencialmente rural e com tecnologia conseguiu dominar comercialmente o Mar Mediterrâneo durante séculos, indo além da agricultura e pecuária.
Mais próximo aos nossos dias, temos a revolução industrial. Até ali, máquinas movidas pela força física de seres humanos ou animais para o arado, colheita, extração de óleos e tintas, transporte eram a tecnologia dominante há milênios. Vem a quebra com a máquina a vapor que dá o primeiro passo consistente para que a humanidade pudesse mover-se pelo planeta. Apesar de o transporte marítimo e fluvial pela força do vento permitir maiores deslocamentos, não era possível transpor grandes distâncias terrestres dependendo da própria caminhada, montaria ou tração animal. O trem permite viajar a grandes distâncias em faixas de terra contínua. Chegamos num momento muito novo na humanidade.
É caos e é inovador. Inovador é o cara que gera o reinício deste ciclo. Gera confronto. O fato de vermos o status quo batendo de volta está relacionado a uma fase de negação, como um bicho acuado. Mesmo sem ser do feitio dele ser agressivo, quando se sente ameaçado, ataca de volta. A incerteza gera ansiedade, fomos programados para lutar pelo estável, mas isso não é mais possível. E esse comportamento reativo que permeia as empresas é consequência do fato de que corporações são feitas de pessoas que acabam sendo refratárias à inovação porque buscam a estabilidade. Reagem ao novo e a partir deste conflito, voltamos ao Caos.
A luta contra a nossa programação
Por mais que possa parecer lógico querer brigar para manter uma posição sob ameaça rechaçando quem tem uma solução que vai desbancar o seu negócio, o que vai garantir que a empresa continue existindo e fazer com que aquelas posições se mantenham relevantes é desafiar essa programação que está conosco desde antes dos tempos da caverna. A gente é evolutivamente programado para buscar a inércia, a gente gosta da estabilidade, o gene que predominou em nossos antepassados é o da estabilidade. É esse comportamento que cria família, promove a convivência em comunidades. O gene do nômade morre, não reproduz, vive sozinho.
Mas hoje não funciona mais assim. A tecnologia permite que a gente viva diferente. O nosso gene que faz com que a gente engorde é herança de tempos de escassez de alimento e hoje não faz mais sentido nenhum, pra boa parte da humanidade. Ele é um gene que mata muita gente, hoje. Mas precisamos reconhecer que ao contrário permitiu que a gente chegasse até aqui.
Evolutivamente, a gente é programado para lutar contra o caos. Mas o caos é a maneira da gente viver agora. Não é mais possível lutar contra o caos. É inviável. Isso permeia as empresas, porque elas são dirigidas e compostas por pessoas que buscam intuitivamente a inércia. Quando alguém tem uma empresa estável, pensa: quero manter a empresa estável. Em outras palavras, aquele pensamento de que em time que está ganhando, não se mexe.
Até os cursos de administração ensinam isso: como dar estabilidade à sua empresa, não vamos fazer grandes mudanças, conquiste a estabilidade de carreira, estabilidade emocional… Tudo é pensando no status quo, em como manter as coisas paradas como estão, em manter-se navegando na rota pela qual se está navegando. Alguém que discordasse do modelo estabelecido não tinha voz, mas hoje todas as pessoas falam na internet. Antes, alguém colocava uma propaganda na televisão, no rádio ou em uma revista e ninguém questionava seu conteúdo. Hoje, a velocidade e a dispersão da informação são outras.
O caos prepondera…
…e isso não é, necessariamente, ruim. Temos um monte de gente, tentando fazer um monte de coisas. Várias destas rodas uma atrás da outra, em pontos diferentes. Enquanto alguns estão na inércia, outros estão em outro ponto, girando com uma velocidade cada vez maior.
Vamos jogar pro futuro, exponenciar isso que inicialmente parece um círculo mas, na verdade, é uma espiral. Que vai se estreitando a cada nova volta… E de tanto estreitar-se, essa espiral disruptiva, no infinito, vira um ponto. No futuro, só tem caos, o caos prepondera.
Parece tenebroso. Mas só é tenebroso se você não estiver preparado para este cenário onde não há diferencial competitivo e é preciso manter-se criando algo novo, sempre desenvolvendo sem nunca se acomodar. É o movimento que dá a longevidade à relevância. Em movimento contínuo, a única forma de se manter à frente dessa curva, é manter-se em movimento. Ela vai te empurrar, então avance para estar à frente dela. No Facebook, por exemplo, há a cultura do sempre por fazer: 1% pronto; 99% a fazer.
E não há o que lamentar. Ou se adapta, ou empacota. Estamos vivendo esse movimento com maior intensidade agora e o lado positivo é que criamos uma geração mais preparada para as incertezas. Nós, apesar de apegados à estabilidade, somos bastante adaptáveis. Precisamos explorar essa capacidade e compreender que o modelo mental prepondera sobre habilidades técnicas.
O futuro é dos resolvedores de problemas
Com uma sucessão de mudanças, o mundo dos negócios precisa de menos especialistas e mais resolvedores de problemas. Cada vez mais o cara especializado em fazer uma coisa só perde relevância. Uma máquina faz aquele troço, resolve com maior precisão uma tarefa de profundidade, de precisão. Mas grudar as pontas, enxergar como informações aparentemente se conectam para criar uma nova solução, ainda não.
Todo empreendedor é um resolvedor de problemas. A sociedade remunera quem toma risco. Alguns pontos a serem explorados por quem quer buscar essa relevância futura:
- Permissão ao erro: não o erro da preguiça ou negligência, mas o erro da experimentação que leva ao aprendizado. Ao contrário do que dizem por aí, o erro não deve ser estimulado, mas permitido para que possam ser buscadas novas soluções. Onde não é possível errar, não é possível experimentar e a inovação morre.
- Tenha experiências: aprender um instrumento musical, estudar Física Quântica, voar de balão, ler revistas ou assistir palestras de assuntos que aparentemente não tenham nada a ver com você. As experiências compõem sua caixa de ferramentas para que você possa conectar novos pontos e descobrir soluções novas para dores antigas – ou dores novas que careçam de soluções.
- Focar na dor: olhe seu negócio, ou sua profissão, buscando a essência da dor que você resolve no mundo. Não é uma coisa tão fácil de ser vista, mas uma vez que você descubra o que leva alguém a comprar seus produtos, fica mais simples manter sua relevância. Ninguém quer comprar uma furadeira, as pessoas querem um buraco de ¼ de polegada na parede. Ou, melhor ainda, uma imagem decorando o espaço.
- Destruir o modelo: desapegue do modelo de negócios e esteja pronto para destruí-lo. O apego ao modelo de negócios é o maior câncer corporativo de que se tem notícias. Quem já domina um determinado segmento de negócios está na melhor posição para adotar o novo modelo que vai substituir o seu atual.
O montante de relevância
Outro achado destas observações sobre os movimentos da espiral disruptiva levaram a compreensão de que existe um montante determinado de relevância no mundo. Imaginem como se fosse uma garrafa cheia de relevância que é distribuída entre os players. Alguém lança um produto, recebe um montante de relevância e vai perdendo aos poucos, assim que concorrentes conseguem oferecer alternativas ou mesmo com o passar do tempo, com o desuso.
Só que esse montante de relevância não tem um volume fixo, ele pode aumentar. O que faz ele crescer é a inovação. Ou seja, a inovação é o fator que multiplica o montante de relevância disponível no mundo e ela se distribui. Cada detentor de um tanto de relevância tem que aumentá-la ou mantê-la pelo maior tempo possível. O que garante que ela não seja perdida é, justamente, o movimento.
A distribuição da relevância, que como falamos lá no começo era algo que permanecia por séculos ou até milênios, acontece em intervalos cada vez menores de tempo. De ponto para ponto, de empresa para empresa, de profissional para profissional. Um data scientist elimina um monte de estatísticos. Um caixa de supermercado que tinha uma baita relevância no varejo deixa de existir num modelo onde não há sequer o caixa para check-out, o que também elimina as filas nas lojas.
Como fazer pra manter-se à frente da curva? Coragem, antever movimentos e permitir a experimentação.
Coragem é o mais raro. Pegar pra fazer as mudanças necessárias o mais rapidamente possível. Quase todos os MBA do planeta ensinam como manter seu negócio, que é preciso manter EBITDA, manter margem, ter segurança. Mas se existe a certeza de que seu negócio vai morrer em dez anos, a dúvida de poder morrer em dois – ou sobreviver com mais relevância – é bem melhor.
Vejam como a maioria das grandes empresas operam. Desenvolvemos um carro novo, lance, vendi. Se pagou? A partir disso, quanto mais dele eu vender, melhor. A Apple fazia isso anos anos 1980, pensava em manter o computador pessoal mesmo quando ele já era o passado, tentando aumentar a receita com aquele produto pronto. Quando Steve Jobs volta para a empresa quase falida, diz para esquecer aquilo e faz 5 produtos que colocam a empresa no topo do mundo. Hoje, o Air Pod, isso, o fone de ouvido, tem o mesmo faturamento que a Netflix. O Apple Watch bateu o dobro da soma de todas as tradicionais marcas de relógio suíços.
Antever é muito mais difícil do que ter coragem, no entanto, bem menos rara. Tem muito mais gente que antevê o movimento do que gente que tem coragem de fazer a mudança. Caso do Bob Iger que como CEO da Disney percebeu a próxima onda e decidiu comprar canais. E permitir a experimentação, sem punir os erros, buscando testar, medir e ajustar o que foi criado como novo modelo.
Isso passa pelo Dilema da Inovação, explicado em profundidade no livro de mesmo nome do professor da Harvard Business School, Clayton Christensen. Ele explica a diferença entre inovação sustentável e inovação disruptiva e sugere que empresas de sucesso tenham organizações separadas, ligadas a elas mas com autonomia. Isso equilibra também os riscos e os erros do processo da criação de novas tecnologias levem a empresa à morte.
Caos como modelo de gestão
O caos tem que ser um modelo de gestão. Tem que ser capaz de gerir o caos e sempre gerir olhando pro caos. E, sim, depois de um tempo, o caos deixa de ser caos. Existe um domínio e entra no ciclo de novo. O iPhone aparece, depois de um tempo todo mundo tem smartphone, se equilibra. Hoje estamos numa fase de inércia dos smartphones. Agora começam a aparecer os foldables, podem ser uma força emergente, mas não sei se causarão uma grande disrupção. Talvez, mais pra frente, os capacetes neurais. O futuro sem device. Isso seria uma força disruptiva poderosíssima e arrebentaria muita gente. Pare para pensar: o cara que faz a tela, empacota; o cara que faz o alumínio da carcaça, empacota; o cara que faz a capinha, empacota…
E a tecnologia dos capacetes neurais, da conexão cérebro-máquina, já existe. Só falta capacidade computacional, baixar os custos. E há também uma dispersão de não-óbvios, alguns desafios éticos. Conflitos como o debate não mais sobre a liberdade de expressão, mas a liberdade – e privacidade – de pensamento. Imaginem os conflitos infinitos quando for possível ler a mente de todo mundo? Mas depois estabiliza.
Esse reboot do ciclo é recorrente e não é tão faseadinho, essa ilustração é didática e aplica-se, em essência, a diversas situações, como a máquina a vapor, eletricidade e tantos exemplos que demos aqui. Estes ciclos cada vez mais curtos, essa espiral disruptiva, coloca inércia e caos cada vez mais próximos, até que só reste o caos.
Status do desenvolvimento do implante neural da Neuralink, apresentado em 28 agosto de 2020
O caos purifica
O caos tem efeito poderoso, purificador. Ou ele elimina você, ou você se adapta. Mas o que era anterior a ele, quando não se transforma, desaparece. Ele limpa o tabuleiro, zera o jogo. E recomeça pra quem sobrou em pé para competir no novo cenário. Uma Microsoft, quase morreu, mas se adaptou e cresceu. Uma Kodak foi eliminada. Isso apenas para falar de duas gigantes.
Visitar o Amazon Fullfillment Center é uma baita lição sobre o caos absoluto. Com recursos de inteligência artificial, ele se organiza de forma muito diferente dos armazéns tradicionais, onde itens iguais ficam reunidos e parecidos ficam próximos. Como você imagina que pode ser organizado um local 80 mil metros quadrados, o equivalente a oito campos de futebol, com 4 milhões de itens? E fazer com que uma encomenda leve apenas uma hora entre entrar no sistema e estar pronta para ser enviada?
Na Amazon, as regras são simples: o item precisa caber na prateleira sem ser forçado e é proibido colocar um item igual ou semelhante no mesmo armário movido pelos robôs. Vou explicar com um exemplo. Se numa estante já tem o DVD de Toy Story 1, você não pode colocar o 2. Mas pode colocar biscoito, lâmpada, camiseta, garrafa térmica. E por que é feito desse jeito tão caótico? Para agilizar o processo. Não fez sentido?
Imagine que todos os Toy Stories estivessem no mesmo local, no começo desse armazém gigantesco. E que houvesse 10 encomendas do filme. E um cliente pediu também uma caneca. Outro quer um chocolate. E o terceiro pediu ainda um kit de canetas… O tempo que seria gasto para deslocar os robôs até um lugar concentrado, o tempo gasto esperando uma fila para pegar os itens… Quanto mais misturado, menor a chance de ter gargalo no processo e de que, por acaso, os itens de um mesmo pedido estejam mais próximos no galpão. Parece o caos, mas é algo totalmente eficiente.
Esse jeito completamente disruptivo de pensar a organização de um estoque é um exemplo que ilustra porque muitas empresas, quando veem esse player avassalador chegar, dizem “o meu mercado foi amazonized”. Você deixou espaço e ela dominou. Você vai empacotar. Tentar manter o mercado e o modelo de negócio obsoleto vivo é a raiz do problema. Não é a Amazon. São os caras tentando manter o negócio que já está no passado que perdem, não eles que ganham.
O futuro é de quem sabe navegar no caos
Não tem meio do caminho. O futuro é de quem sabe navegar no caos. De quem está confortável no caos. As hardskills, as habilidades de fazer algo que são comprovadas com cursos, certificados e tudo o mais, são cada vez mais descartáveis por mudarem muito rapidamente. O como fazer tudo muda rápido. Mas o porque fazer, que está muito mais ligado às softskills, têm muito mais relevância futura.
Buscar um curso que ensine como fazer um anúncio no Facebook, por exemplo, vai ser uma habilidade importante por quanto tempo? Pode ser que a rede social desapareça, que aquela maneira de anunciar desapareça, ou surja um robô que faz melhor. Por isso a importância das softskills. São as habilidades que fazem você se adaptar a todo momento, aprender, reaprender, desaprender momento atrás de momento.
Richard Buckminster Fuller, visionário americano nascido em 1895, afirmava que a civilização humana havia dobrado seu conhecimento a cada século até o ano de 1900. A partir daí, passamos a acelerar. Ao final da Segunda Guerra Mundial, o conhecimento dobrava a cada 25 anos. Os discípulos de Bucky apontam que no século XXI passamos a dobrar o conhecimento a cada 18 ou 24 meses, a depender da área.
Em 1965, Gordon Moore, cofundador da Intel, observou e registrou um fenômeno que se alinha ao pensamento de Bucky. Os processadores dobravam a capacidade a cada 18 meses e o tamanho necessário para armazenar o mesmo conteúdo era dividido ao meio. Foi com base nesse princípio que muitos dos futuristas embasam suas previsões, na chamada Lei de Moore, uma referência sobre o movimento da inovação.
A engenharia genética, especialmente o CRISPR, mostram que a relevância não deve mudar apenas de negócio para negócio, mas de ser humano para ser humano. Para além do poder econômico, das diferenças sociais que podem ser pareadas com tempo, educação, investimento nas gerações, tentar compensar a desigualdade em relação a uma pessoa com QI de 400, que não adoece, imune a todas as doenças, que vive 500 anos… não há como parear por nada que seja feito após algumas gerações. Só criando outro ser humano assim.
E isso pode acontecer de maneira muito rápida, mas vamos olhar de outro ponto. O ser humano do século XXI já uma espécie de super humano se for comparado com os nossos antepassados do século XIX ou começo do XX. Vejam com Usain Bolt corre ou os fundistas. A primeira maratona dos Jogos Olímpicos modernos foi realizada no ano de 1896, no percurso original e seu vencedor foi Spiridon Louis, com o tempo de 2h58min50sec para uma prova disputada em 40km. O queniano Eliud Kipchoge se tornou o primeiro atleta a correr uma maratona em menos de duas horas. O campeão olímpico e recordista mundial marcou o tempo de 1h59min40s2 em 12 de outubro de 2019, num evento em Viena, na Áustria. E com um trajeto de 42,195km. Kipchoge, que conquistou o ouro na Olimpíada do Rio em 2016 e venceu dez de suas 11 maratonas, detém o recorde mundial oficial da prova com o tempo de 2h01min39s.
E se a gente não precisar mais produzir alimentos? E se a gente não precisar mais morar perto do trabalho? E se a gente não tiver mais o monopólio do pensamento, com máquinas que aprendam a criar? E se houver super-humanos? São debates sobre futuro, muitos deles com fundo ético e consequências pra todos os lados.
Por fim, abrace e valorize o caos. Se você não fizer isso, alguém vai fazer. E quando a onda vier, vai nadar de braçada em cima de você.