Cientistas japoneses fazem carne impressa em 3D que imita corte mais caro do mundo

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Depois de almôndegas, hambúrgueres e nuggets, a carne impressa atinge uma nova fronteira: o mercado de luxo. Cientistas da Universidade de Osaka usaram células-tronco para produzir, em laboratório, uma reprodução de carne de gado da raça Wagyu. São os bois dos quais se faz o Kobe Beef.

Uma das características principais da carne que chega a custar mil dólares o quilo, no Japão, é o chamado “marmoreio”. As fibras são entremeadas por alto teor de gordura intramuscular, que dá esse efeito que lembra o mármore. Desta forma, sabor e textura são bastante característicos.

Os pesquisadores usaram a estrutura da carne Wagyu natural como referência para imprimir em 3D fibras musculares, gordura e vasos sanguíneos construídos a partir de células-tronco. As fibras foram dispostas em 3D, replicando na carne impressa a estrutura da natural que, por fim, foi fatiada de forma semelhante ao tradicional doce japonês kintaro-ame.

Fazendo um bife no laboratório

De acordo com o artigo publicado na revista Nature, os cientistas fizeram um tecido semelhante à carne cortada inteira projetado com a montagem de fibras celulares usando bioimpressão integrada com colágeno presente nos tendões, para deixar mais parecido com a carne natural.

O trabalho é preliminar, trata-se de uma construção em pequena escala, chegando a 72 fibras: 42 musculares, 28 de tecido adiposo e 2 capilares sanguíneos montados para reproduzir um bife de 5mm de diâmetro e comprimento de 10mm, inspirados no corte comercial do Kobe Beef.

A carne cultivada em laboratório tem atraído grande atenção na última década. Produtos que não são baseados em vegetais ou fungos, mas sim a partir de células animais, foram lançados comercialmente. Hambúrgueres, almôndegas e outras carnes processadas já vêm sendo demonstradas, mas o desafio agora é imitar o corte real, com alinhamento de células adiposas e musculares.

A impressão em células 3D é a técnica apontada como mais promissora pela escalabilidade e controlabilidade da estrutura e composição. Vale destacar que, a depender do corte, a estrutura e proporção de gordura variam. Por exemplo, a carne vermelha traseira do Wagyu japonês tem apenas 10,7% de tecido adiposo, enquanto o lombo do Wagyu tem 47,5%.

Bife de carne impressa personalizado

Processo de fabricação da carne impressa. Imagem do artigo publicado na revista Nature.

O resultado do estudo, in vitro, está nas imagens B e C. Ainda não parece muito apetitosa, mas é o primeiro passo para a fabricação da carne impressa.

Uma das vantagens da bioimpressão de carne é a possibilidade de produzir carne de acordo com o gosto ou necessidade de saúde de cada pessoa. O Kobe Beef tem no marmoreio sua principal característica. Com a fabricação, será possível definir exatamente quanto de gordura cada consumidor deseja.

“Com o aprimoramento dessa tecnologia, será possível não apenas reproduzir estruturas complexas de carne, como o belo sashida carne Wagyu, mas também para fazer ajustes sutis nos componentes de gordura e músculos ”, diz a autora sênior Michiya Matsusaki. Ou seja, os clientes poderiam pedir carne cultivada com a quantidade de gordura desejada, com base no sabor e nas considerações de saúde.

A indústria da carne impressa pelo mundo

A Universidade de Osaka não está sozinha na pesquisa de carnes nobres produzidas em laboratório, sem sofrimento animal e com menos impacto ao meio-ambiente. Orbillion Bio, uma startup do Vale do Silício, recentemente demonstrou carnes exóticas semelhantes, incluindo um bolo de carne Wagyu e alces.

Em fevereiro de 2021, a Aleph Farms confirmou ter feito o primeiro bife de lombo com bioimpressão e cultivo em 3D, sem engenharia genética, do mundo. Em parceria com o Instituto de Tecnologia de Israel, a empresa copiou músculos e gorduras reais, sem sacrifício animal. As células cresceram e interagiram com os vasos, ajudando os nutrientes a se moverem, algo muito semelhante ao que acontece no animal vivo.

O processo da Aleph Farms usa uma fração dos recursos necessários para criar um animal inteiro para a carne, sem antibióticos e sem o uso de soro fetal bovino. Parte da economia de custos vem do uso de células pluripotentes naturais que são cultivadas em grandes quantidades.

A indústria de carne cultivada em laboratório está começando a se migrar pra economia real. A primeira fábrica de carne cultivada em laboratório foi inaugurada em Israel em junho de 2021. A Future Meat tem capacidade de produzir 500 kg por dia de forma vinte vezes mais rápida do que a pecuária tradicional.

Fábrica da Future Meat, inaugurada em junho de 2021 em Israel, com capacidade de produzir 500kg de carne ao dia.

Planta da Future Meat Technologies localizada em Rehovot, Israel.

Assim como hoje temos freezer, microondas e máquinas de café espresso, no futuro devemos ter uma espécie de impressora 3D de carne em nossas cozinhas.

A carne impressa é considerada uma carne vegana?

É importante diferenciar a carne de bioimpressão 3D da chamada plant-based meat. A primeira é uma carne produzida sem o sacrifício animal, mas a partir de uma sintetização de todas as suas características. A segunda imita textura e sabor usando soja, ervilha ou outro vegetal como base. Há ainda uma terceira categoria, que são carnes feitas a partir de cogumelos, já que os fungos são grande fonte de proteína e têm uma textura boa para fazer um produto que lembra bastante a carne de frango ou boi.

Por usar células-tronco de animais e, portanto, ser uma carne real produzida em laboratório, o filé 3D – ao menos por enquanto – não é considerado vegetariano ou vegano.

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