Comida do futuro: o mercado e seus possíveis desdobramentos

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Alimentar-se está na base da pirâmide de qualquer ser vivo, uma necessidade fisiológica. Mas nós, humanos, que já dependemos da sorte ao encontrar o que coletar ou do sucesso da caça, evoluímos de forma acelerada 12.000 anos atrás com tecnologias como a agricultura ou pecuária. A industrialização junto com a mecanização do campo possibilitaram produzir ainda mais alimentos junto com soluções como congelamentos e microondas. Mas e daqui pra frente? Como será a comida do futuro?

Até 2050, devemos ser quase dez bilhões de pessoas e isso traz uma série de desafios e um dos centrais é alimentar tantas bocas sem implodir o planeta. E como onde há uma grande dor existe uma grande oportunidade, criar a comida do futuro é um dos promissores negócios do futuro. Por isso, tantas empresas do presente têm investido em encontrar novas soluções que sejam eficientes do ponto de vista nutricional e também gastronômico.

O que é a comida do futuro?

Seria uma dessas perguntas de um milhão de dólares ou não é mais um mistério para você? Atualmente, não é tão impossível assim imaginar algumas versões da tal comida do futuro uma vez que já conseguimos encontrar nos supermercados produtos como o “hambúrguer do futuro”, mas nem só de plantas a comida do futuro pode ser composta, como é o caso desse hambúrguer aí.

A comida do futuro pode ser impressa! Já parou para pensar nisso? Em alguns cenários, especialistas até falam da possibilidade da comida do futuro ser um pouco mais arcaica do que poderíamos imaginar em primeiro lugar, como ter insetos incluídos nas dietas. Controverso, não é?

Mas você quer perspectiva mais contraditória do que imprimir uma carne vegana? Estamos falando de uma carne 100% vegana, ou seja, sem nenhum tipo de insumo animal, ou pelo menos com um insumo mínimo, celular. A impressão de comida 3d não está tão distante, na verdade, já começou. E nisso entram vários aspectos éticos relacionados a crenças, filosofias de vida e religiões, por exemplo. As repercussões disso são gigantes, eu acho que a gente vai viver um momento bem interessante.

Futuro da alimentação: o mercado

Existe um mercado com muito espaço quando falamos do futuro da alimentação. Caminhamos para um ambiente no qual estamos começando a alterar não só a maneira de produzir comida, como também de distribuí-la. Investimentos no ramo vão gerar uma segunda onda muito forte onde só ter um cardápio digital, alguma coisa que ajude na gestão ou um RP, que eram fatores que tangenciavam a inovação nesse mercado, já não vai ser mais suficiente. Temos empresa que já estão começando a fazer comida! O cara essencialmente faz comida em escala, com um preço mais baixo, com valor nutricional mais interessante ou, na maioria dos casos ainda não, como acontece com substitutos de carne, por exemplo, ainda são meio junk food, carregados de sódio.

No entanto, ainda estamos migrando para ter uma mudança ativa, um fenômeno que chamo de dispersão dos não-óbvios, que é uma das etapas da disrupção. O que acontece? Você revoluciona uma cadeia inteira. Tente enxergar os não-óbvios como vírus, que saem infectando tudo, quebrando estruturas. Não estamos tão acostumados com eles porque até então esse fenômeno acontecia de maneira mais lenta. Agora, em coisa de um ano ou dois a quebra se espalha para áreas que nunca passaram pela nossa cabeça, como a carne impressa impactando no consumo de diesel. Parece longe, mas está conectado. E vamos mais longe ainda em relação a essa alimentação do futuro: quebramos uma estrutura de cadeias como de logística, de pecuária, até de veterinária, farmacêuticas e por aí vai.

Então existe uma cadeia muito grande que vai ser destrinchada nisso e, para mim, tudo isso começa na ponta. Começa, por exemplo, com a gente podendo distribuir uma comida diferente, sintética… e vai muito além no ponto de distribuição, que é justamente onde vira um grande negócio.

Laticínios veganos: o futuro já começou?

Desde 1988, a revista Popular Science faz uma lista com as 100 maiores invenções do ano. O objetivo é encontrar aqueles com maior potencial para tornar o futuro mais saudável, feliz e esperançoso. São 10 categorias e a vencedora 2020 da categoria Engenharia foi para uma linha de laticínios de laboratório. Sim, derivados de leite que são veganos!

A manteiga ocupa a terceira posição, abaixo da carne bovina e do cordeiro, para emissões de dióxido de carbono por quilo de alimento. O queijo vem em quinto lugar. É por isso que a próxima geração de produtos animais cultivados em laboratório não é de carne, mas de laticínios. O Perfect Day criou um leite sintético a partir do DNA da vaca e microorganismos alimentados com açúcar capazes de criar produtos lácteos veganos.

Mas não para por aí: outro nome também citado nessa lista, na mesma categoria, foi o Atlast Food Co/MyEats com o mais saboroso bacon falso! A “carne”, moída à base de plantas, agora imita com sucesso o sabor e a textura da carne real. A Atlast Food Co quer ir um passo além com cortes inteiros fabricados sem sacrifício animal. A empresa diz ainda esperar uma maior variedade nos cortes de carne e até de frutos do mar no futuro.

Carne do futuro: comida produzida pela israelense Redefine Meat

A israelense Redefine Meat produz carne do futuro para “flexitarians”

É verdade que muita gente quando pensa em comida feita em laboratório torce o nariz. Talvez você mesmo esteja pensando que não vai comer um negócio desses. Mas quando o microondas surgiu, também houve uma enorme rejeição inicial. E pelo que podemos observar por aí, parece que deu bom.

Feita em laboratório: a carne vegana

Algumas empresas têm apostado fortemente no cultivo de carne a partir de células de animais e cultivadas em biorreatores. Desta forma, temos carne de verdade, feita sem qualquer sacrifício animais. Além disso, com economia gigantesca de energia, uso do solo e água – pode chegar a 90% menos do que manter o gado no pasto.

Antes conhecida como Memphis Meats, a Upside Foods aposta em frango de laboratório. Trata-se de uma das pioneiras na produção de carne cultivada a partir de células. Com apenas algumas células de uma galinha, mais de 100 mil são poupadas do abate. Agora, em 2021, o custo para produzir 110 gramas este em US$ 4, valor que deve ser cortado pela metade em 2022.

Carne de Frango feita em laboratório sem sacrifício animal pela UPSIDE Foods

Frango de laboratório da Upside Foods, antiga Memphis Meats, usa poucas células para produzir carne de verdade.

Outra empresa que já aposta há bastante tempo nesse mercado é a holandesa Mosa Meat. A empresa faz hambúrgueres bovinos crescerem com nutrientes e vitaminas. A chamada “clean meat” ou carne limpa é melhor para o meio ambiente e também para quem, apesar de gostar de comer carne, não se sentir confortável em imaginar que um animal foi abatido para a sua refeição.

Hambúrguer feito em laboratório pela Mesa Meat

A holandesa Mosa Meat aposta na chamada “clean meat” bovina.

As oportunidades nos pequenos nichos da comida do futuro

Eu costumo dizer que quem domina a distribuição, domina o jogo, mas nesse ambiente a história é um pouco diferente. Estamos falando de um jogo muito amplo, com muitos players, muito diversificado e com realidades muito particulares em cada lugar.

Já abordei um pouco dos desafios éticos que devemos enfrentar no futuro que, para mim, vão ser essencialmente os nossos maiores desafios. Então quando eu penso nos maiores gargalos, eles não são de tecnologia, são do ponto de vista humanos/sociológicos/antropológicos/éticos. Como a relação de comida e religião, que já citei. A religião judaica, por exemplo, tem uma série de questões de não poder misturar B com C com D… será que, para a comida impressa, a gente vai precisar de uma máquina kosher?

Fazer a impressão 3d é um mercado trilionário, caríssimo, dificílimo de entrar, são poucas pessoas que têm capacidade para entrar em um mercado desses, é tipo mandar foguete para Marte: é muito legal, é muito bacana, mas a maioria das pessoas vão só ver isso acontecendo.

Por outro lado, a gente tem oportunidade em vários pequenos nichos, como a comida impressa kosher, que vão surgindo no meio do caminho. Então sim, quem dominar a distribuição vai dominar o jogo, mas eu não acho que vai ter um domínio absoluto, alguém que domina toda a distribuição. Você vai ter pequenos domínios e aí nesses casos sim, quem conseguir chegar com a melhor solução, com a melhor proposta de valor, vai ter um domínio massivo do negócio.

O que se alimentar vai representar no futuro?

E se a gente parar de precisar de comer? É uma possibilidade muito real para mim se extrapolarmos os cenários para frente. Basta ver que para você ter vitaminas como B ou B12 antes você precisava comer um monte de coisa, hoje você vai, toma lá um composto de um monte de cápsula e a maioria das vitaminas estão lá. Inclusive, essa é uma rotina bem comum para atletas de alta performance, por exemplo. Tudo bem que temos que comer por uma série de outros fatores, mas a suplementação alimentar é uma coisa que se você extrapolar a tendência do futuro da alimentação, é uma ideia de que talvez a gente não precise mais comer.

Do ponto de vista dos negócios, o pessoal entende isso como “ah, vão acabar os restaurantes”, mas muito pelo contrário. Eu acho que eles se tornarão ambientes de experiências, de prazer, de entretenimento. Quer dizer, se tornarão o cinema do futuro: já faz um tempo que podemos assistir um filme de outras maneiras, mas continuamos a frequentar salas de cinemas pela experiência.

Sobre extrapolar os cenários da comida do futuro

O importante dessa tendência não é olhar o absurdo, como seria a possibilidade de não precisarmos mais comer, porque o absurdo você joga e, possivelmente, a gente não chegará neles. Geralmente são muito extremos, tanto para o futuro distópico quanto para o utópico. A ideia disso é que você, entendendo para onde está indo a tendência, consiga saber se um negócio que você está fazendo hoje em tese acompanha essa tendência ou não. Se ele não acompanha, você entra naquela máxima que é o inverso do que a Amazon faz de: não é o que vai mudar quando houverem grandes oportunidades, de fato existem algumas, mas é o que não vai mudar, o que será igual daqui a trinta anos.

Então, sobre a alimentação do futuro, as pessoas vão continuar se reunindo para uma refeição seja ela em cápsula, em bife de verdade, de mentira…? Sim, então a experiência no ponto de venda vai ser mais importante do que um lugar que você só passa e pega a comida, por exemplo. O lado humano da coisa tende a crescer mais.

Comida do futuro, a pasta ou macarrão 3D

Pasta do futuro: BluRapsody vende experiência gastronômica usando 3D.

As pessoas e a comida do futuro

Eu diria que o futuro da alimentação tem muito mais a ver com uma experiência humana do que essencialmente com a experiência da comida. Então, eu acho que o futuro da alimentação tem mais a ver com uma experiência mais profunda em torno da mesa, seja lá o que estiver sendo servido: pílulas, cápsula, chip, comida, comida saudável ou não, não importa.

Claro que vão existir mais desafios relacionados à comida do futuro do que os que citamos por aqui, com certeza o mindset das pessoas deve ser trabalhado porque elas tendem a apresentar resistência a esses novos formatos de produtos, mas qual você acredita que deva ser o maior desafio em relação ao futuro da alimentação?

Luiz Candreva é um dos principais futuristas brasileiros. Head de inovação da Ayoo, colunista da CBN há 3 anos, diretor de criação do Disruptive.MBA, professor convidado da Fundação Dom Cabral para Futurismo e Transformação de Negócios, TEDx Speaker, palestrante e painelista com mais de 700 apresentações em diferentes países, é também mentor no Programa Scale-Up do MIT Venture Services além de recordista mundial de kitesurf.

Foi board member do Hub/SP e atua como advisor em boards em empresas tradicionais dos segmentos automotivo, bens de consumo e construção, além de startups, inclusive como investidor em algumas.

Luiz Candreva foi o primeiro diretor do Comitê de Internacionalização da Associação Brasileira de Startups.

Mentor em programas de inovação corporativa de empresas como Visa, EDP, Shell, IBM e outras, além de programas de aceleração como os da Techstars, ACE, Wayra, GSV Labs, da ONG Iridescent e do Inovativa, Brasil.

Foi também, por 2 anos, curador da SP Tech Week nas trilhas de marketing digital, inovação e tecnologia.

Foi eleito, por três anos seguidos, top 10 mentor do Brasil pelo Startup Awards da ABStartups + Amazon, mas acredita que prêmio bom mesmo é nota fiscal emitida.

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