A ciência frequentemente se inspira nas soluções incríveis que a natureza cria. E se você já tentou arrancar um mexilhão de um quebra-mar ou tirar uma craca do casco de um barco, já experimentou o poder adesivo que estes animais têm. Olhando pra o que estes crustáceos podem nos ensinar, engenheiros da Tufts University criaram um tipo de cola subaquática inspirada nestes que grudam nas pedras e nas embarcações. O trabalho foi publicado na revista Advanced Science.

Cola subaquática é inspirada naquela usada pelas cracas que grudam no fundo dos barcos.
Os pesquisadores partiram da proteína da seda fibrosa colhida dos bichos-da-seda. Assim, foram capazes de replicar as principais características da cola de cracas e mexilhões, incluindo filamentos de proteínas, reticulação química e ligações de ferro. O resultado é uma adesivo atóxico poderoso que fixa e funciona tão bem debaixo d’água quanto em condições secas. Essa cola subaquática é mais forte do que a maioria dos produtos atualmente no mercado.
“O composto que criamos funciona não apenas melhor embaixo d’água do que a maioria dos adesivos disponíveis hoje, mas atinge essa resistência com quantidades muito menores de material”, disse Fiorenzo Omenetto, professor de engenharia Frank C. Doble da Tufts School of Engineering, diretor da Tufts Silklab onde o material foi criado, e autor correspondente do estudo. “E como o material é feito de fontes biológicas extraídas e os produtos químicos são benignos – extraídos da natureza e evitando etapas sintéticas ou o uso de solventes voláteis – ele também pode ter vantagens na fabricação.”
Cola subaquática imita secreções dos crustáceos
A “equipe de cola” do Silklab se concentrou em vários elementos-chave encontrados nos animais para replicar em adesivos aquáticos. Os mexilhões secretam longos filamentos pegajosos chamados bisso. Essas secreções formam polímeros, que se incorporam às superfícies e se reticulam quimicamente para fortalecer a ligação.
Os polímeros de proteína são constituídos por longas cadeias de aminoácidos, incluindo um, dihidroxifenilalanina (DOPA), um aminoácido contendo catecol que pode se reticular com as outras cadeias. Os mexilhões adicionam outro ingrediente especial – complexos de ferro – que reforçam o poder de coesão do bisso.
O outro crustáceo observado para desenvolver a cola subaquática foi a craca, aquela que gruda em cascos de barcos. Elas secretam um cimento forte feito de proteínas que se formam em polímeros que se fixam nas superfícies. As proteínas em polímeros de cimento de cracas dobram suas cadeias de aminoácidos em folhas beta – um arranjo em zigue-zague que apresenta superfícies planas e muitas oportunidades para formar fortes ligações de hidrogênio com a próxima proteína no polímero, ou com a superfície na qual o filamento do polímero está anexando.
Inspirado por todos esses truques de ligação molecular usados pelos crustáceos na natureza, a equipe de Omenetto começou a trabalhar e replicá-los. Para isso, utilizaram sua experiência com a química da proteína fibroína da seda extraída do casulo dos bichos-da-seda. A fibroína de seda compartilha muitas das características de forma e ligação das proteínas do cimento de cracas, incluindo a capacidade de montar grandes superfícies de folha beta.

A cola subaquática funciona melhor e é mais resistente em ambientes molhados do que as atuais. Foto: Marco Lo Presti – Tufts University
Seda, mexilhão e cracas tornaram superadesivo possível
Para deixar a cola subaquática ainda mais poderosa, os cientistas adicionaram polidopamina. Estes é um polímero aleatório de dopamina que apresenta catecóis de ligação cruzada ao longo de seu comprimento, muito parecido com o que os mexilhões usam para fazer a ligação cruzada de seus filamentos de ligação. Finalmente, a força de adesão é significativamente aumentada pela cura do adesivo com cloreto de ferro. É ele que garante ligações entre os catecóis, assim como fazem em adesivos naturais de mexilhão ao grudar-se às pedras.
“A combinação de fibroína de seda, polidopamina e ferro reúne a mesma hierarquia de ligação e reticulação que torna esses adesivos de cracas e mexilhões tão fortes”, disse Marco Lo Presti, pós-doutorado no laboratório de Omenetto e primeiro autor do estudo . “Acabamos por conseguir um adesivo que até se parece com sua contraparte natural ao microscópio.”
Além de forte, super cola subaquática é atóxica
Conseguir a mistura certa de fibroína de seda, polidopamina e condições ácidas de cura com íons de ferro foi fundamental para permitir que o adesivo endurecesse e funcionasse debaixo d’água. A substância consegue atingir forças de 2,4 MPa (megapascais; cerca de 350 libras por polegada quadrada) ao resistir às forças de cisalhamento. Isso é melhor do que a maioria dos adesivos experimentais e comerciais existentes, e apenas ligeiramente mais baixo do que o adesivo subaquático mais forte a 2,8 MPa. No entanto, esse adesivo tem a vantagem adicional de não ser tóxico. Isso porque ele é composto de materiais totalmente naturais e requer apenas 1-2 mg por polegada quadrada para obter essa ligação – são apenas algumas gotas.
“A combinação de segurança provável, uso conservador de material e resistência superior sugere utilidade potencial para muitas aplicações industriais e marítimas e pode até ser adequada para o consumidor, como construção de modelos e uso doméstico”, disse o Prof. Gianluca Farinola, um colaborador sobre o estudo da Universidade de Bari Aldo Moro, e professor adjunto de Engenharia Biomédica na Tufts. “O fato de já termos usado a fibroína de seda como um material biocompatível para uso médico está nos levando a explorar essas aplicações também para a cola subaquática”, acrescentou Omenetto.