A única certeza da vida é a morte… Será?
Estamos cada vez mais próximos de um futuro no qual não morreremos mais. Ao longo deste artigo, abordaremos caminhos pelos quais podemos chegar à imortalidade. Ou, ao menos, a uma longevidade consideravelmente maior.
Se você escrever “a única certeza da vida” no Google, ele (e sua tia ou sua mãe) vão completar com “é a morte”. De fato, até o século XIX, nenhum país tinha expectativa de vida maior que 40 anos. A morte fazia parte do dia a dia de todos de um modo bastante recorrente.
Com a chegada da era industrial, após um primeiro solavanco, a expectativa de vida disparou.
Desde 1800, a expectativa média de vida global quase dobrou, chegando a 72 anos.
A cada década, em média, ganhamos 2,5 anos a mais em nossa longevidade. Esse montante tem aumentado nos últimos anos para algo como 1 ou 2 anos a cada 5 transcorridos, segundo estudos de pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
O futuro da longevidade humana
A matemática é inquestionável: se a progressão seguir, até 2048, a cada ano vividos receberemos um adicional de pouco mais de um ano de expectativa média de vida. Em teoria matemática: a imortalidade.
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Há impulso sem precedentes no sentido de retardar ou impedir nosso envelhecimento e tudo que decorre dele. No EUA, por exemplo, 86% das mortes são causadas por doenças crônicas associadas à velhice.
O maior desafio hoje para a Medicina é descobrir como atrasar o envelhecimento do corpo e dar mais saúde a uma população cada vez mais idosa, ou seja, uma longevidade com qualidade de vida. Mas isto é um paliativo para uma meta mais ousada: e se pudermos curar a morte?
O remédio para a morte
Até aqui, conseguimos ganhar mais tempo, driblar o adoecimento causado pela imensa maioria das doenças com fatores externos e ponto a ponto, mas nunca resolvemos a causa mor, a doença principal, que acomete 100% da população mundial, qual seja, o envelhecimento que leva à morte.
Empresas como Calico, parte do Google Ventures e Unity Biotech, tem um caminhão de funding vindo de universidade e tech titans — como Jeff Bezos, Peter Thiel, os founders do Google e da Oracle entre muitos outros — a “cura pra morte” parece não apenas possível, mas próxima.
Os caminhos são variados:
- Extensão da vida celular pela redução da velocidade de crescimento e multiplicação;
- Criogenia (congelamento não só de células, mas do corpo inteiro imediatamente após a morte — já há por volta de 350 pessoas congeladas no mundo e 2.000 que já assinaram o contrato e só não morreram…ainda);
- Upload de consciência para ambiente virtual;
- “Ciborguização” com substituição de partes do organismo por peças mecatrônicas;
- Impressão de órgãos e próteses em 3D;
A verdade é que, seja qual for o caminho, há grandes chances de em breve vivermos, se não para sempre, ao menos o triplo ou dobro do que vivemos hoje. Essa longevidade levanta questões que, ao menos pra mim, são mais relevantes do que quando chegaremos lá:
Quais os variados desafios, sobretudo éticos, sociológicos, antropológicos e psicológicos de sermos uma raça de imortais (ou uma raça em parte de imortais, o que impõe até desafios maiores)?
Tecnologias que aumentam nossa longevidade
Existem diversos estudos indicando direta correlação entre menor /mais lento desenvolvimento celular e a longevidade dos organismos que os contêm.
Em pesquisa publicada em maio de 2020 pela Universidade de Essex no Reino Unido, Dr. Charalampos Ballis, PhD em genética e desenvolvimento biológico, apresentou os resultados decorrentes de dietas extremamente restritivas em ratos, camundongos e primatas. As descobertas apontam que, ao se reduzir o volume de nutrientes disponíveis no organismo, ativa-se uma espécie de “modo de alerta”, que faz com que as células tornem-se mais resistentes a situações de stress do organismo.
Em outras palavras é dizer que ao incutirmos o organismo ao estado de escassez, temos gatilhos biológicos ativados que alteram o objetivo das células de “crescimento a qualquer custo” para “resistência e uso parcimonioso dos recursos disponíveis”. Isso, segundo outro estudo publicado recentemente, está intimamente ligado à longevidade.
Um grupo de cientistas da Universidade de Rochester (NY-EUA) indicou que ao reduzir a translação de aminoácidos em filamentos proteicos de RNA (basicamente como toda célula se reproduz) os organismos se tornaram mais longevos. Isso ocorre pela diminuição de duas proteínas em específico a TOR e a Gafl.
Em alguns camundongos a expectativa de vida foi DUPLICADA ao se combinarem esses e outros processos com vistas a retardar o envelhecimento das células.
Próximos passos rumo à imortalidade
O caminho e o desafio agora são entender como podemos replicar, de modo saudável, resultados similares em seres humanos.
Se tivermos sucesso, teremos, em potencial, pessoas com expectativa de vida de até 160 anos em alguns dos países mais desenvolvidos do globo. O que você faria com um século e meio de vida? Vale deixar de comer aquela coxinha pra acrescentar aproximadamente 70 anos a mais por aqui
Peças sobressalentes: o futuro do corpo humano
A ideia de que podemos substituir uma defeituosa parte de nosso corpo por outra não é nova. Aliás, ela data de séculos atrás, quando Cosmas e Damian, patronos dos cirurgiões, conectaram a perna de um Etíope recém morto em batalha ao corpo de um Romano, tudo isso no Século III.
Evidentemente, a Medicina só evoluiu para de fato alcançar esse tipo de feito centenas de anos após, já no século XX, quando em 1905 o oftalmologista Austríaco, Eduard Zirm fez o primeiro transplante de córnea da História. Um década depois, Sir Harold Gillies — por muitos chamado de o pai da cirurgia plástica — fez os primeiros enxertos de pele em soldados britânicos durante a Primeira Guerra Mundial.
Ainda assim, o primeiro transplante de um órgão vital em humanos não aconteceria até 1954, quando Ronald Herrick doou um de seus rins para seu irmão gêmeo, Richard. Dada a cópia genética perfeita, o cirurgião, Joseph Murray, estava convencido de que teria encontrado uma maneira de contornar o problema de rejeição de órgãos de terceiros.
Tecnologia: evolução em transplantes
Dali em diante, a cada década vimos a evolução dos transplantes crescer, muito em parte por conta do desenvolvimento e melhoria de imunossupressores, fundamentais no processo de acomodação de um órgão de um doador no corpo do receptor. O que parecia distante e a realidade de um filme de ficção científica, agora estava ao nosso alcance. Assim, em 1966 tivemos o primeiro transplante de pâncreas, em 1967 os primeiros de coração e fígado.
Já em 1984 (conhecido historicamente como “outro dia”), a procura e as práticas se tornaram tão usuais que o Congresso Americano criou um registro nacional para organizar a procura por órgãos.
Ocorre que desde então a oferta não acompanha a demanda — nem de perto. Existe um déficit gigantesco e uma luta infinita para estar no topo da lista de receptores. Steve Jobs por exemplo, em busca de um doador de pâncreas que pudesse salvá-lo, mudou até seu endereço fiscal para aumentar suas chances. Mesmo sendo um dos virtuosos de nosso tempo, com todos os recursos à mão, faleceu vítima de um câncer no órgão. Ele não está sozinho nessa triste estatística. Apenas nos EUA, morrem 21 pessoas por dia na fila por um transplante.
Longevidade e o futuro dos transplantes
Com pessoas vivendo cada vez mais tempo e com essa longevidade associada à maior qualidade de vida, o numero de doadores frente à demanda por órgãos para serem transplantados só cai, aumentando o déficit que já é enorme no mundo todo.
Nesse cenário, existe uma enorme oportunidade, não apenas de negócio, mas essencialmente de salvar vidas. (Aqui vale a menção de que não há problema algum em haver um negócio baseado em uma tecnologia que permita rentabilizar e ao mesmo tempo salvar vidas; a única razão de haver a possibilidade de se desenvolverem essas tecnologias é porque há uma confluência de interesses, uma dor, e uma oportunidade de mercado).
Há inúmeros pesquisadores e empresas buscando soluções para essa disparidade no mundo todo.
As soluções são variadas, passam por imprimir um órgão inteiro em uma impressora 3D, a partir de tecido do próprio paciente, a imprimir uma espécie de molde e povoá-lo com células tronco do paciente, incubá-las e ver o órgão se desenvolver sobre o molde. Pode-se até usar a estrutura, decelularizada de órgãos de animais (como porcos) e preenchê-las com células do receptor.
O resumo de tudo é que, em que pese transplantes de órgãos nos pareçam uma verdade da vida e parte do nosso dia-a-dia, historicamente eles têm pouquíssimo tempo de existência e apresentam uma grave defasagem de oferta X demanda. Soluções como as descritas acima podem ser o caminho para salvarmos milhões de pessoas todos os anos.
Criogenia
Existem 300 corpos congelados voluntariamente no mundo. James Hiram Bedford, um professor de Psicologia da Universidade da California-Berkeley morreu em 12 de janeiro de 1967. Bedford foi o primeiro ser humano da História a ser criogenicamente preservado — em outras palavras “congelado” e armazenado indefinidamente na expectativa de que a evolução tecnológica um dia possa ressuscitá-lo.
Evidentemente, há enorme controvérsia em torno desse tipo de prática. Muitos, como o neurocientista Michael Hendricks da McGill University, consideram a atividade na beirada do limite ético. De fato, vender uma “possibilidade” que ainda não está no horizonte parece bastante duvidoso e quase charlatanismo. Ainda assim, a clonagem de animais ou os transgênicos também eram vistos como limiares à ética e hoje são lugar comum.
Vitrificação humana no presente
Se há desconfiança de uma parcela da Academia, outros, contudo, entre os quais gigantes da tecnologia e respeitados professores e pesquisadores de variadas áreas, julgam não só possível (ser reanimado a partir do processo atual de vitrificação), como algo a ser visto dentro das próximas 5 ou 6 décadas.
Se baseiam no sucesso do método em preservar células tronco, sangue e até órgãos. Hoje, por exemplo, nas clínicas de reprodução assistida é bastante comum a vitrificação de óvulos (mais precisamente de oócitos de segunda ordem) e de embriões com algo em torno de oito células. O custo de manter esse material criopreservado é em torno de mil reais por ano e é uma tecnologia bastante difundida, com clínicas em dezenas, senão centenas, de cidades pelo mundo. A taxa de recuperação deste material para uso 10, 15 anos depois do procedimento de vitrificação é em torno de 80% e vem melhorando nos últimos anos.
Não obstante, ainda não vimos isso de fato ser feito com um ser humano ou sequer uma estrutura tão complexa quanto um cérebro, onde há dezenas de bilhões, no caso do cérebro, ou trilhões, se considerarmos o corpo humano inteiro. A ciência só é impossível até que seja impossível, contudo. E os primeiros passos já foram dados de maneira firme.
Tanto assim que hoje existem aproximadamente 300 cérebros ou corpos inteiros vitrificados (congelados) no mundo todo e mais de 3.000 pessoas que já assinaram os papéis para que tenham seu local de “descanso” dentro de uma unidade criogênica.
Upload de consciência
Todo mundo que já jogou um videogame da década de 80 e o comparou com os atuais percebe a brutal diferença de qualidade e realismo entre eles.
Alguns jogos atuais são, basicamente, indistinguíveis da realidade, alcançando um nível de perfeição e detalhamento que confundem até os olhos mais experientes.
Agora, e se utilizássemos essa tecnologia para fazer upload de uma consciência humana para criar um avatar numa simulação?
Conceitos como “alma” e o início e definição da vida estariam em jogo. Seríamos a soma de nossas experiências, memórias e personalidade ou há algo mais? Além disso, a infinita complexidade em subir e organizar um volume tão massivo de dados ainda está além do nosso alcance.
Pra se ter uma idéia, de acordo com pesquisas, nosso cérebro é capaz de armazenar um volume de dados gigantesco: a estimativa mais recente está na casa de 1 petabyte (PB) (1.125.899.906.842.624 de bytes).
Em exemplos práticos, isso equivale a quase 3,5 anos de vídeo em Full HD (cerca de 30 mil horas) e a um terço de todo acervo da Netflix. E olha que alguns cientistas especulam que nosso cérebro seja capaz de armazenar até 2,5 PB de informação. Ou seja, não é pouca coisa mesmo.
Estudiosos, contudo, dizem que não será um problema por muito mais tempo.
Realidade X Realidade virtual
Já existem diversos protocolos com realidade virtual para tratamento de fobias e outras terapias associadas a traumas. Além disso, o advento do capacete neural e dos implantes (Neuralink, empresa fundada por Elon Musk, e outras similares) já permite não apenas a leitura de nossas ondas cerebrais — vide Labs da SU — mas também o upload de partes da consciência.
Aliás, pesquisadores da Universidade Tecnológica de Viena, na Áustria, conseguiram copiar o cérebro de um verme para um computador e dar um corpo robótico para o animal, que foi inclusive treinado a balançar um objeto em sua cauda com sucesso.
No final do dia, temos as ferramentas para isso, o que nos falta ainda é entender e dominar a complexidade de tal tarefa e ter a capacidade processual para conseguir executá-la com sucesso.
Em outras palavras, na busca pela longevidade extrema que nos levaria à imortalidade de nossas mentes, temos a equação literal que explica o mecanismo. Falta eliminar algumas incógnitas e ter ferramentas para executá-lo. Você gostaria de viver em qual simulação ou jogo?