O QUÊ?! Deve ter sido sua reação a esse trem acima. De fato um comportamento como esse — repetidas vezes, logo como primeiro ato do dia, buscar uma substância que altere sua fisiologia e sua capacidade de tomada de decisão — pareceria loucura a qualquer um e denotaria uma compulsão evidentemente vinculada a um profundo vício.
Certamente você e (quase) todos que você conhece se oporiam à tal condição. Afirmariam com certeza tratar-se de caso para internação, reabilitação, reparação de uma mente e uma alma quebradas. Com certeza também não aceitariam que cada vez mais pessoas o fizessem, com cada vez mais frequência, profundidade e intensidade, em doses cada vez maiores.
Movimentos se formariam. Pressão sobre órgãos reguladores. Campanhas massivas. Orientação de pais, mães e profissionais de educação. O mundo pararia e não sossegaríamos até sanarmos tal mazela do planeta que, a exemplo da narrativa de José Saramago, no seu brilhante O Ensaio Sobre a Cegueira, se espalha pelo mundo. Ocorre que… estamos cegos. E o pior, o que nos cega é também o que nos vicia.
O vício
Em esmagadora maioria, tomamos nosso “copo de whiskey” logo pela manhã: ele vem em formato de pixels, likes, comentários, fotos e uma enxurrada de dopamina e oxitocina, cada vez menos satisfatórias, exigindo um uso mais intenso e prolongado. Aliás, um estudo da Michigan State University indicou que pessoas que têm uso de social media com maior intensidade apresentam o mesmo tipo de inabilidade para tomada de decisões que pacientes com alcoolismo ou vícios em jogos. Para mais, tais pessoas muitas vezes têm ainda menor aversão a risco que seus colegas com vícios químicos e tomam decisões seguidamente piores.
Um recente estudo de Harvard mostrou que a exposição à mídias sociais ativa as mesmas regiões do cérebro que o uso de substâncias viciantes, como a cocaína, por exemplo. Em outras palavras é dizer que o mecanismo de recompensa do cérebro é ativado e se condiciona a buscar cada vez mais essa recompensa. Evolutivamente foi o que nos trouxe até aqui, certamente não será o que nos levará à frente.
A lógica por trás do enquadramento em relação a um vício indica comportamento compulsivo, mas essencialmente a linha é traçada em relação a quanto esse comportamento impacta nos demais aspectos da vida do indivíduo. Em que pese o uso estendido de plataformas digitais ainda não seja tecnicamente qualificado como vício, o cigarro e o álcool durante muito tempo foram até recomendados por médicos e dentistas. Vale lembrar que tudo é muito recente, nessa toada, estudos começam a surgir com dados cada vez mais contundentes.
Você acha que seu uso de tecnologia impacta no restante da sua vida?
A geração dos Millennials, nascidos entre 1984 e 2005, parece ter trocado o cigarro e as bebidas pelos “shots” de prazer virtual: hoje há, proporcionalmente, 20% mais abstêmios do que nas gerações X e nos Baby Boomers. Além disso, o número de horas conectados sobe mês a mês, seguindo a lógica exponencial da internet. Aliás o Brasil lidera o ranking mundial em relação a tempo conectado, em média, um assustador montante de 4 horas e 48 minutos por brasileiro, seguido pela China com 3:03h e pelo EUA com 2:37h.
O tempo de atenção que, no início do milênio era de 12 segundos, caiu, em 2015, quando do aumento de usuários do Snapchat, para pífios 9 segundos (menor que o de um peixe) e agora segue sua queda livre, atualmente medido em irrisórios 5 segundos, de acordo com estudo realizado pela Microsoft. Ademais, 84% dos jovens entre 17 e 24 indicaram que a primeira coisa que fazem quando estão entendidos é checar seu smartphone.
Some os três fatores e terá que cada vez mais buscamos maior exposições e por mais tempo, ou seja, precisamos de um número repetidamente maior de interações para ainda assim, termos um efeito aquém do que o que sentíamos inicialmente.
Conexão e isolamento
Um estudo da California State University apontou que indivíduos que visitam serviços de mídias sociais pelo menos 58 vezes por semana, têm 3 vezes mais a sensação de serem isolados socialmente e/ou em estágios de depressão se comparados com quem usa menos de 9 vezes por semana os mesmos serviços.
Tudo que vai pra internet é algo que funcionou (pra bem ou pra mal) no mundo real e se multiplica por ela. Em outras palavras, é um modelo de comportamento ou negócios exponenciado pela WWW. O Mercado Livre por exemplo, é uma venda de garagem – que antes atingiria uma rua ou quiçá um bairro – vezes a internet, e isso o faz um mega player. A Amazon, um varejo vezes a internet, o Google Search, uma biblioteca vezes a internet, os exemplos são variados, pense em um serviço e verá o seu exponencial online.
Com nossas interações sociais e comportamentos não é diferente. Se Social Media e a imensa quantidade de conexões que temos hoje nos levou a incríveis conquistas e possibilidade, também exponenciou as mazelas das relações humanas, que, como sabemos, não são poucas. A diferença é que, ao passo em que a capacidade de criação, armazenamento e distribuição de informação cresceu “muito” exponencialmente, nossos cérebros e nossa fisiologia, evidentemente, não.
Ou seja, lutamos uma batalha, por ora, com as “armas” que temos em mãos, invencível. Seres humanos evoluem em P.A. (1>2>3>4>5…), todo o resto nossa volta evolui em P.G. (2>4>8>16>32…). O delta fica cada vez maior e a dificuldade de se contornar a questão também. Isso nos leva para uma realidade bastante perigosa e complicada de se resolver.
Os efeitos
Nunca tivemos uma geração inteira suscetível, sobretudo de modo crescente, a um vício tão generalista. Essas ferramentas foram desenhadas para serem exponencialmente melhores do que as ofertas anteriores, é única razão de terem o sucesso que têm. Não foram desenhadas por terem empreendedores maldosões, ou dominadores do mundo, mas porque essa era e ainda é a boa prática do ponto de vista de Growth.
Devemos, contudo, adicionar um fator ético e também uma responsabilidade (individual) educacional nesse ponto. Como toda novidade há efeitos que não temos como antever, e nesses imponderáveis, emergiu um vício potencial que afeta todos os aspectos da jornada humana: nossos relacionamentos afetivos, nossa autoestima, como votamos, nossas decisões, nossos desejos, nossos sentimentos e, em suma, nossa vida e sociedade como um todo.
Não é falar que vivemos uma era de trevas como muitos desejam fazer crer, ao contrário, estamos no melhor momento da humanidade, vivemos cada vez mais, temos tecnologias que nos trazem comodidade de uma maneira incrível e cada vez a mais pessoas, erradicamos doenças, nos livramos de ditadores malucos e sanguinários, estamos voltando a explorar o espaço e atender ao anseio máximo da curiosidade humana, o de descobrir o novo, vivemos uma era incrível, uma era, também, de transição. Transacionamos do antigo, linear, unplugged, 1on1 pra uma era hiper conectada, exponencial, poderosamente transformadora. Mudamos o mundo a nossa volta e não somos mais capazes de o acompanhar.
Para a frente
O mundo não vai retroceder, a velocidade não será reduzida, o Movimento será cada vez maior. Nesse cenário o único caminho para darmos longevidade à nossa relevância enquanto indivíduos é mudarmos a nós mesmos, não apenas momentânea e individualmente (o que auxilia com as mazelas atuais), mas enquanto espécie. Somos resolvedores de problemas por natureza e nos deparamos com um dos maiores de nossa breve História, reinventar o ser humano, mas isso é papo pra outro dia… E você quantas horas por dia fica conectado?
(E, é óbvio: NÃO TOME DUAS DOSES DE WHISKEY AO ACORDAR! )